Caderno Agro entrevistou o Professor Felippe Serigati da FGV
Entrevista Felippe Serigati
ENTREVISTA

A aula inaugural da segunda edição do Programa CapacitAgro, da Pesagro-Rio, foi proferida, no mês de junho, pelo professor Felippe Serigati, da FGVAgro.

Economista, pesquisador e doutor em Agronegócio, ele coordenou o Diagnóstico do Agronegócio Fluminense que, realizado em 2022, apontou perspectivas para soluções reais para o cenário da economia rural do estado.

Para dar continuidade aos temas apresentados na aula inaugural, o Caderno Agro entrevistou o economista, que chegou à área rural por força do destino e por muitas obras do acaso.

Ouvi-lo é receber uma aula sobre mercado, sobre perspectivas para o campo e sobre novas possibilidades para a economia agrária. Acompanhe.

CA - Quando teve início a sua trajetória no Agronegócio?

FS - Foi daquelas coisas que acontecem na vida, quando a gente abre uma porta sem querer, entra e nunca mais sai, né? Fiz o colégio técnico em processamento de dados, o que era algo muito comum, praticamente um clássico do pessoal do ABC nos anos 80 e 90. Não trabalhei na área, embora até hoje faça uso dos conhecimentos ali adquiridos. Atuar como programador, como profissional de TI, não me chamou muita atenção. Então, fui fazer economia na Unicamp.

No segundo ano da graduação em economia, surgiu uma vaga para estagiário em um grupo de estudos que exigia dois pré-requisitos: saber programar e ter boa base de economia. 

Comecei, então, a desenvolver esse projeto. Na sequência, fiz uma pesquisa de campo, outro projeto e outra pesquisa de campo - a monografia. Assim, vai-se conhecendo pessoas que circulam no grupo. Era justamente o Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp. Gostei tanto que, quando fui fazer o mestrado, procurei justamente um pesquisador que atuasse na linha de pesquisa que mais me chamava a atenção, a Nova Economia Institucional.

Então, fui atrás do professor Paulo Furquim, que, na ocasião, estava na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Isso foi em 2006. Comecei, então, o mestrado com esse grupo - o Centro de Estudos do Agronegócio. 

E dei uma enorme sorte, pois justamente no ano de 2006, quando iniciava o mestrado, o grupo ficou bem fortalecido com a chegada do Roberto Rodrigues, que deixava o Ministério da Agricultura e a FGV queria trazê-lo para reorganizar a área de agro da Fundação. Com certeza, fortaleceu o programa enormemente.

Sem dúvida alguma. A piada que faço é que eu estava no lugar certo na hora certa. Espero não ter sido a pessoa errada, mas que eu estava no lugar certo na hora certa, sem dúvida alguma. Está parecendo que era a pessoa certa, sim, com alguma noção. E aí começaram os trabalhos dentro da GV, dentro do GVAG.

O GVAG tinha características particulares, que não eram apenas do GVAG, mas do universo da economia agrícola no país. Por mais que o agro tenha dimensão muito grande na economia brasileira, a gente forma poucos economistas voltados para a área agrícola. É muito raro.

Pois é, havia um problema na GV. Quando tinha projetos voltados à área do agro, esses projetos ficavam ali no GVAG. Entretanto, às vezes tinham de percorrer o próprio mercado em busca de consultores. E às vezes ficavam algumas situações desconfortáveis.

Um consultor concorrente em determinado projeto participava de outro projeto em conjunto com a fundação. A solução que eles tiraram dali foi como em time de futebol, criar a categoria de base. Formar os quadros dentro da própria Fundação Getúlio Vargas.

Eu fiz parte justamente dessa primeira leva de pesquisadores. Aí viraram referências. E aí vai-se abrindo portas.

Comecei com a pesquisa, depois dando aula, depois dando consultorias e, então, começaram as atividades de coordenação. Aos poucos, uma inserção cada vez maior na imprensa, incluindo vários profissionais da informação, que sabem dialogar com o público mais amplo. A gente levava as nossas pesquisas, os nossos resultados para esses profissionais. O pesquisador não tem essa habilidade de dialogar com o público mais amplo, mas a imprensa é justamente o grupo treinado para fazer isso.

E aí começou a aumentar cada vez mais a interação desse centro com o pessoal da imprensa. Enfim, foi daquelas coisas. Se eu voltasse lá em 2002, quando deixei o currículo naquele grupo de pesquisa, teria alguma ideia de que um garoto nascido em Diadema, no ABC Paulista, no ambiente industrial, mergulharia no universo agro? Não, jamais imaginaria. Mas não vou negar, dei muita sorte. Ainda bem!

CA - A que o senhor credita a redução da área plantada no Estado do Rio de Janeiro nos últimos anos, como revelado pelo Diagnóstico do Agronegócio Fluminense, realizado pela Fundação Getúlio Vargas e coordenado pelo senhor para o Sistema FIRJAN / FAERJ / SENAR-RIO?

O principal fator foi a substituição das lavouras por pastagens, o que é um fenômeno curioso, porque no Brasil, de forma geral, nós vimos justamente o oposto, né? Nós vimos as pastagens sendo substituídas por lavouras. No Rio de Janeiro foi o oposto. Isso se deve à dinâmica distinta do setor sucroalcooleiro, que avançou com maior intensidade em outras áreas da Federação, mas não no Estado do Rio de Janeiro, embora tivesse diversas áreas tradicionais de cana. Ainda assim, há outro ponto a destacar, que é justamente a presença do setor de óleo e gás. O Estado do Rio de Janeiro tem um setor que é importantíssimo, o setor de óleo e gás, que gera um volume muito grande de renda para o estado.

Esse é um ponto positivo, não é ruim de forma alguma, mas o que a gente viu em outros países, nós temos visto acontecendo no Estado do Rio de Janeiro. Na literatura isso se chama de doença holandesa, o que aconteceu quando a Holanda descobriu o gás natural no Mar do Norte e outros setores acabaram perdendo competitividade. Curiosamente, temos visto isso no Estado do Rio de Janeiro.

Você tem um setor que consegue defender um nível bem razoável de renda para esse estado, e esse estado acaba abrindo mão, e de forma até que inconsciente, de outros segmentos. Acaba importando de outras unidades da Federação os produtos que precisam consumir. Quando se olha para o agregado do país, não tem problema, mas chama a atenção um estado que tem um potencial monumental, afinal estamos falando do segundo maior mercado consumidor do país, seja em termos de número de pessoas, seja em termos de renda média. Então você tem ali um ativo importantíssimo e o setor produtivo local acaba não conseguindo se apropriar de todo esse potencial.

Não estamos falando que o Estado do Rio de Janeiro vai ser um Mato Grosso, que tem área que opera com situação distinta, que consegue operar com as grandes lavouras de grãos, por exemplo, mas você tem diversos outros produtos que outras unidades da federação conseguiram trabalhar, e que o Estado do Rio de Janeiro provavelmente esteja subaproveitando o seu potencial.

CA - De acordo com a Embrapa, a atual produção agrícola fluminense é majoritariamente familiar. 76% dos estabelecimentos são de produtores familiares e 42% do valor bruto da produção vem do pequeno produtor. Como encontrar o equilíbrio entre a produção familiar e a produção agroindustrial para que a economia possa crescer de forma sustentável?

Há alguns fatores que, infelizmente, não estão sob o controle do produtor, aliás, não estão sob o controle sequer da agroindústria. Por exemplo, a questão tributária. Então, a questão tributária do Rio de Janeiro dá a sensação, embora a gente não tenha feito a continha ali na ponta do lápis, que você tem um arranjo tributário que, às vezes, fica mais competitivo se você trouxer o produto de fora do que produzir dentro da sua própria divisa.

De novo, os demais nas interações vão agradecer por essa característica, mas o Estado do Rio de Janeiro está desperdiçando o potencial que ele mesmo tem. Mas um ponto importantíssimo é que fatores críticos de sucesso em outras unidades da Federação, inclusive com pequenos produtores, é a maior coordenação dentro dessas cadeias. Vamos colocar aqui alguns exemplos quando a gente pensa, por exemplo, no pessoal de frangos, de suínos, do Paraná e de Santa Catarina.

Qual é o grande diferencial dali? Por exemplo, uma presença maior de cooperativas. Embora a cooperativa seja o instrumento, ela não é o resultado final, só que a presença dessas cooperativas garante uma coordenação entre os produtores de matéria-prima e a indústria que vai manufaturar esse produto. Essa coordenação gera ganhos de eficiência que, lá na ponta final, significa um produto com maior qualidade e com preços mais competitivos. Então essa coordenação pode ser buscada no Estado do Rio de Janeiro.

Veja que eu não estou dizendo que é obrigatório fazer cooperativas, embora, e aí é muito viés meu, seja fã do sistema cooperativista, mas certamente o Estado do Rio de Janeiro, as cadeias produtivas locais, têm que mostrar os seus arranjos que funcionam melhor com eles. Por exemplo, enquanto a Federação tem que buscar mercados fora das suas divisas, a gente está falando de Paraná e Santa Catarina, uma parte da sua demanda é atendida via exportação, o Estado do Rio de Janeiro já tem um mercado consumidor importantíssimo do lado, na porta dessa agroindústria, tem que conseguir aproveitar essa estrutura. Mas vejam vocês, parte disso está fora do controle do produtor, mas talvez uma demanda maior, por uma coordenação mais afinada dentro dessas cadeias, talvez seja uma boa estratégia. De novo, não é novidade.

Parte do que explica o sucesso do universo agro brasileiro é justamente que essa organização em termos de cadeias produtivas funcionou muito bem no Brasil. Olha, se funcionou muito bem no Brasil, não vejo motivos para que o Estado do Rio de Janeiro seja muito diferente. Não deve ser, mas tem que construir essa coordenação.

CA - De acordo com o Diagnóstico do Agronegócio Fluminense, entre 1995 e 2020, houve perda da relevância do Rio de Janeiro, derivada tanto da queda na área plantada (-62,4%) quanto do aumento da área plantada no Brasil como um todo (60,8%). Em relação ao resultado do Diagnóstico do Agronegócio Fluminense, que causas podem ter desencadeado a redução da ocupação das terras com a agricultura no Rio?

Na minha opinião, são coisas muito diferentes. Claramente estariam sendo comparadas bananas com laranjas. Ou você vai ter fora da região Centro-Sul uma expansão da área. A gente está comparando a plantação de laranjas, né? A gente está comparando o Estado do Rio de Janeiro, que já tem áreas antropizadas, em que a atividade agropecuária acontece, desde a época do Brasil Colônia, com fronteiras novas? Então, são comparações distintas. Eu acho que o que chamaria mais atenção é a redução do valor bruto da produção agropecuária no Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, nenhum problema em reduzir a área. Por exemplo, substituindo produtos que vão demandar área menor por produtos cuja produção agrega maior valor.

O que se viu no Estado do Rio de Janeiro foi exatamente essa dinâmica que aconteceu. Houve a substituição de lavouras por pastagens, mas também não é uma pecuária que emprega nível elevado de tecnologia. Rondônia é um ótimo exemplo. Embora não tenha área de pastagem tão grande como outras unidades da Federação, o tipo de pecuária que se pratica lá é pecuária de alta tecnologia para padrões brasileiros.

Nossa métrica mais rápida é ver o volume de suplemento mineral que é comercializado no Estado de Rondônia, né? Mas não foi exatamente o que aconteceu no Estado do Rio de Janeiro. Me parece que a leitura disso é o setor sucroalcooleiro. As fazendas canavieiras não conseguiram acompanhar a evolução desse setor e outras unidades da Federação perderam competitividade e aquela produção de cana foi substituída pelas pastagens. Não porque as pastagens fossem muito melhores, mas porque a cana perdeu competitividade comparada com outras unidades da Federação. Então aqui a essência é que mais importante do que uma redução de área é a redução no valor bruto da produção.

Ou seja, o que se produz naquela região não tem conseguido acompanhar a expansão do valor observado em outras unidades da Federação. É, com certeza. A nossa pecuária aqui é muito arcaica, sendo bem sincero.

CA - Quais os desafios que o pequeno produtor enfrenta para crescer neste contexto?

Acho que o desafio desse pequeno produtor, que não é uma exclusividade do produtor fluminense, é o acesso a crédito, linha de financiamento, acesso à tecnologia, talvez uma representatividade institucional maior, coisa que o agro, em diversas regiões do país, tem força muito grande.

Veja, não tem aí uma substituição. Ou você tem uma indústria forte, ou você tem um agro forte, e aí eu acho que os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul podem ser um bom exemplo, que têm tanto uma indústria forte, como também um universo agro que representa, que dinamiza uma fração muito grande do interior de cada um desses estados que, na agenda política, de qualidade da política pública, têm um peso muito relevante. Então, o fato de ter uma indústria não é um impeditivo.

Em relação ao Estado do Rio de Janeiro, não é de qualquer indústria que estamos falando. Nós estamos falando justamente do setor de oligarcas, que é importante não apenas para o Estado do Rio de Janeiro, mas para o Brasil como um todo, sobre como está fortemente concentrado aí no Estado do Rio de Janeiro. A força que esse segmento tem aí é bem maior que em qualquer outra unidade da Federação.

Então, esse é o desafio, e o produtor sozinho não tem como vencer isso não. Vai depender de muito trabalho coletivo e, de novo, de uma representação institucional forte para esse segmento. Com certeza, cooperativas, e o interesse público mudar também em relação ao fortalecimento do agro no Rio. Enfim, é exatamente por aí.

 

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